De acordo com um levantamento realizado pelo jornal O Globo, pelo menos 44 deputados federais têm levantado dúvidas infundadas sobre o sistema eleitoral brasileiro, assim como o ex-presidente Jair Bolsonaro. Desses, 10 adotaram esse discurso após uma reunião de Bolsonaro com embaixadores no ano passado, que resultou em sua condenação pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por tentar deslegitimar as urnas eletrônicas. As declarações foram baseadas em informações públicas, discursos e postagens nas redes sociais desde 2020.
Recentemente, surgiram mais ataques do presidente. Ele foi intimado pela Polícia Federal a prestar esclarecimentos sobre o envio de uma mensagem a um empresário em que insinuava, sem provas, fraudes no TSE em junho de 2022. Essa mensagem foi replicada por aliados e grupos extremistas.
No caso da reunião com os embaixadores no Palácio da Alvorada em julho de 2022, os mesmos argumentos falsos usados por Bolsonaro também foram disseminados entre seus apoiadores. Na ocasião, o então presidente afirmou, por exemplo, que a apuração dos votos era realizada por uma empresa terceirizada e que uma auditoria seria impossível.
O argumento da terceirização ganhou força quando Luiz Lima (PL-RJ) o mencionou em novembro do ano passado durante uma audiência no Congresso. O deputado afirmou que empresas como Oracle e Smartmatic estariam por trás das eleições. No entanto, a responsabilidade pela apuração dos votos é do próprio TSE.
Assim como Lima, os outros 43 deputados que espalharam dúvidas infundadas sobre o sistema eleitoral apoiaram a campanha de reeleição de Bolsonaro. A maioria deles (30) faz parte da bancada do PL, partido do ex-presidente.
Rafael de Medeiros Chaves Mattos, advogado da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), destaca que a condenação de Bolsonaro à inelegibilidade ocorreu não apenas por atacar as urnas, mas também pelo uso de recursos públicos e de seu cargo. No caso dos parlamentares, os discursos feitos no plenário ou em comissões estão protegidos pela imunidade parlamentar.
No contexto eleitoral, se um deputado fizesse uma declaração semelhante, a ação deveria ser proposta por candidatos, partidos políticos ou pelo Ministério Público dentro do prazo legal, ou seja, até 15 dias após a diplomação. Após esse prazo, devido à estabilidade do mandato, não é mais possível buscar sanções de inelegibilidade.
Mattos afirma, no entanto, que há possíveis consequências na esfera penal. Desde a condenação do deputado estadual Fernando Francischini (PSL-PR) em 2021, o entendimento do TSE e do STF é que disseminar fake news contra o sistema eleitoral pode levar à cassação.
Essa tática de atacar o sistema eleitoral foi repetida ao longo do mandato de Bolsonaro. Além disso, ele incentivou sua base a trabalhar pela aprovação do voto impresso, proposta que foi arquivada. Durante esse período, 23 deputados passaram a duvidar publicamente das urnas eletrônicas.
Uma das ocasiões mais marcantes foi quando o deputado Filipe Barros (PL-PR), relator da Proposta de Emenda à Constituição do voto impresso, comparou as urnas eletrônicas a máquinas de escrever.
“Hoje eu trouxe aqui, colegas deputados, equipamentos que datam da década de 90. A máquina de datilografia, o fax, o tijolão, criados exatamente no mesmo ano que nossas urnas de primeira geração”, disse o parlamentar, usando um argumento falso sobre a falta de modernização do sistema.